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HIDRATO DE CARBONO – O MACRONUTRIENTE PRIMORDIAL


Os hidratos de carbono são produzidos pelas plantas através da fotossíntese e incluem, em termos básicos, os hidratos de carbono simples – conhecidos como açúcares – e os hidratos de carbono complexos – que contêm os açúcares ligados entre si em moléculas comummente denominadas por amido. Os hidratos de carbono são a fonte primordial de glucose, um açúcar, que é o recurso energético predilecto da maioria dos organismos vivos.1

Uma vez que a obtenção de energia é, quantitativamente, o factor dietético principal, e que a fonte prioritária de energia celular é a glucose, a relevância do consumo de hidratos de carbono é manifesta. Como exemplo disso, o órgão energeticamente mais exigente é o cérebro que, apesar de pesar apenas cerca de 2% do peso do corpo, consome 20% do oxigénio e das calorias. A fonte predilecta de energia para o cérebro é a glucose, que é fornecida idealmente por hidratos de carbono. Os ácidos gordos não podem ser convertidos em glucose, nem atravessar a barreira sangue-cérebro, e as proteínas, apesar de poderem ser convertidas em glucose – a principal fonte em carnívoros – fazem-no comprometidamente em relação aos hidratos de carbono.Inadmissivelmente, uma vez que uma parte significativa do sector profissional desconhece princípios fisiológicos básicos, e promove a suposta superioridade das gorduras e das proteínas, é necessário analisar mais detalhadamente as características inerentes à utilização energética dos macronutrientes para reconhecer a amplitude dos seus requisitos.

Apesar de todos os macronutrientes poderem ser combustados para energia, a proporção com que são utilizados depende, principalmente, da disponibilidade desses mesmos macronutrientes e do nível de actividade do organismo. Seguem algumas dessas diferenças principais.

DESCANSO: JEJUM VS. ABSORÇÃO

A preferência por hidratos de carbono é evidente para a maioria das células do organismo, no entanto, uma vez que a capacidade de acumular hidrato de carbono é relativamente limitada em relação à capacidade de acumular gordura – é literalmente possível reter gordura suficiente para sobreviver durante meses – no estado de jejum, a necessidade de conservar hidratos de carbono para órgãos mais exigentes, como o cérebro, faz com que, generalizadamente, seja utilizada uma proporção superior de gordura. Isso revela a versatilidade do organismo na superação das constrições relativas à disponibilidade dos macronutrientes, que permite a utilização preferencial de gordura em períodos de ausência alimentar – porém, não é essa a condição que caracteriza a normalidade metabólica.O metabolismo diário é tipificado pelo estado de absorção alimentar, onde os hidratos de carbono assumem o papél preponderante, independentemente da quantidade de gordura consumida ou disponível. Isto é, a presença de hidratos de carbono gera respostas de oxidação prioritárias, enquanto que o consumo de gordura não induz respostas expressivas de aumento de oxidação.3

ACTIVIDADE FÍSICA:
JEJUM VS. ABSORÇÃO

As variações na utilização de macronutrientes também são evidenciadas entre o estado de descanso e o de exercício físico, relativamente à absorção ou pós-absorção dos nutrientes. Durante a actividade física moderada, em jejum, a proporção de combustível recrutado provém equivalentemente tanto de hidratos de carbono como de gordura.4 No entanto, quanto a exigência do exercício físico aumenta, aumenta também a proporção de combustão de hidratos de carbono, que atinge mais de dois terços a 85% da capacidade máxima de exercício. A vantagem da utilização de hidratos de carbono durante o exercício é evidente, uma vez que são os únicos macronutrientes com o potencial de gerar energia tanto aerobicamente como anaerobicamente (na presença ou ausência de oxigénio).5

Durante o exercício, no estado de absorçãoa proporção de hidrato de carbono combustado é ainda maior e a performance superior, o que se deve a uma manutenção mais eficaz dos níveis de glucose e à redução do ácido láctico. Em contraste com a melhoria da capacidade física decorrente do consumo de hidrato de carbono, o consumo de gordura não exerce qualquer efeito positivo.6 Portanto, em relação à gordura, os hidratos de carbono revelam-se como um combustível mais eficaz e ao qual o organismo recorre, inquestionavelmente, de uma forma preferencial.

HIDRATOS DE CARBONO VS. PROTEÍNA

Por sua vez, as proteínas – que são modisticamente consideradas como o nutriente principal – são oxidadas para energia numa proporção insignificante. Mesmo durante o exercício prolongado, não mais do que 5% do consumo energético do organismo é direccionado para proteína.5 Estudos metabólicos demonstram que um aumento de 160% no consumo de proteína causa apenas 12% de aumento na sua oxidação. Em contraste, o aumento de 550% no consumo de hidratos carbono é correspondido por um aumento de 420% na sua oxidação – o que expõe, inequivocamente, a superioridade dos hidratos de carbono em relação à proteína na hierarquia oxidativa dos nutrientes.7

Apesar de as proteínas poderem ser convertidas em glucose, essa conversão é ineficiente em relação aos hidratos de carbono. Portanto, no caso de ausência de hidratos de carbono, geram-se deficits que impedem a combustão eficaz de gordura – que “queima na chama do hidrato de carbono” – e conduzem à produção de elementos tóxicos conhecidos como cetonas, que perturbam o equilíbrio de ácido-base.8 Adicionalmente, substituir hidratos de carbono por proteína induz problemáticas associadas ao excesso proteico e compromete a manutenção da massa muscular – que passa a tornar-se num substrato para o fornecimento de glucose.9

O APETITE É UM PEDIDO
POR HIDRATOS DE CARBONO

O papel primordial dos hidratos de carbono no fornecimento energético do organismo é confirmado pelo facto de que o metabolismo dos hidratos de carbono regula grandemente o consumo alimentar:10 Quebras nas concentrações de glucose sanguínea são detectadas por glucoreceptores e resultam em aumento do apetite, enquanto que uma subida nas concentrações de glucose tem o efeito oposto.11,12

Os alimentos naturalmente ricos em hidratos de carbono, para além de assegurarem as necessidades energéticas, contêm simultaneamente proteína, gordura, micronutrientes, fitonutrientes e fibra, o que satisfaz igualmente as outras necessidades nutricionais. A afinidade ao seu consumo também é exposta pela resposta fisiológica de prazer que resulta da sensação doce. Por outro lado, a dieta moderna, que tende a substituir alimentos ricos em hidratos de carbono por alimentos ricos em proteína e gordura, providencia um desarranjo nutricional marcado que influi poderosamente no decurso da obesidade e da patogénese.

CONCLUSÃO

Em conclusão, a predilecção por hidratos de carbono encontra-se patente no cenário descritivo do organismo humano. De todos os macronutrientes, aquele que fornece energia da forma mais adequada e eficaz são os hidratos de carbono, que, por essa razão, necessitam de ser consumidos em quantidades substancialmente superiores. O Instituto de Medicina da Academia Nacional de Ciências dos E.U. aponta para números que atingem os 65% do valor calórico total13, mas, noções possivelmente mais adequadas, indicam que 80% estará mais próximo de corresponder aos requisitos fisiológicos humanos.14 Comparativamente, as necessidades proteicas ou lipídicas são diminutas.

Assortment of fruitsFrutos, tubérculos e cereais integrais são fontes ideais de hidratos de carbono.


1 – Alvin Silverstein, Virginia Silverstein. (2007) Photosynthesis (Science Concepts). Twenty-First Century Books.
2 – Michael Lieberman, Allan D. Marks. (2012) Carbohydrate Metabolism. Mark´s Basic Medical Biochemistry: A Clinical Approach. Wolters Kluwer.
3 – Westerterp KR. Food quotient, respiratory quotient, and energy balance. Am J Clin Nutr 1993;57:759Se64S.
4 – Romijn JA, Coyle EF, Sidossis LS, Smalley KJ, Polansky M, Kendrick ZV, et al. Regulation of endogenous fat and carbohydrate metabolism in relation to exercise intensity and duration. Am J Physiol 1993;265:E380e91.
5 – McArdle W, Katch FKV. (2000) Essentials of Exercise Physiology. Lippincott Williams & Wilkins.
6 – Jeukendrup AE, Thielen JJ, Wagenmakers AJ, Brouns F, Saris WH. Effect of medium-chain triacylglycerol and carbohydrate ingestion during exercise on substrate utilization and subsequent cycling performance. Am J Clin Nutr 1998;67:397e404.
7 – S A Jebb, A M Prentice. Changes in macronutrient balance during over- and underfeeding assessed by 12-d continuous whole-body calorimetry. Am J Clin Nutr. September 1996 vol. 64 no. 3 259-266.
8 – Franz MJ. Protein: metabolism and effect on blood glucose levels. Diabetes Educ. 1997 Nov-Dec;23(6):643-6, 648, 650-1.
9 – Frances Sizer, Leonard Piché, Ellie Whitney. Nutrition: Concepts and Controversies — Tenth 10th Edition – 2006.
10 – Stubbs RJ. Peripheral signals affecting food intake. Nutrition. 1999 Jul-Aug;15(7-8):614-25.
11 – Chaput JP, Tremblay A. The glucostatic theory of appetite control and the risk of obesity and diabetes. Int J Obes (Lond). 2009 Jan;33(1):46-53.
12 – Tremblay A, Plourde G, Despres JP, Bouchard C. Impact of dietary fat content and fat oxidation on energy intake in humans. Am J Clin Nutr 1989;49:799e805.
13- IOM, National Academy of Sciences, Dietary Reference Intakes for Energy, Carbohydrate, Fiber, Fat, Fatty Acids, Cholesterol, Protein, and Amino Acids, September 5, 2002.
14 – T. Colin Campbell. (2013) Whole: Rethinking the Science of Nutrition. BenBella Books.



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