A evolução da espécie humana está sediada em ambientes tropicais, caracteristicamente luminosos, quentes e de ritmos solares estáveis, que correspondem à base das suas adaptações naturais.1 A luz solar é fundamental para regular os ritmos circadianos, uma vez que impede a produção de melatonina e favorece a de serotonina, o que quebra a fase de descanso e promove a actividade.2 A radiação solar também é determinante para a controlar a temperatura corporal, e constrangeu a ocupação de climas frios antes do surgimento de tecnologias como o vestuário e o fogo. Além da regulação circadiana e térmica, a exposição à luz exerce outros efeitos fisiológicos benéficos, de entre os quais a promoção da síntese de vitamina D.
EXPOSIÇÃO SOLAR E VITAMINA D
O êxodo dos trópicos proporcionou intensidades solares inferiores e temperaturas mais frias, o que favoreceu o desenvolvimento de pele clara, que facilita a produção de vitamina D com quantidades de luz inferiores. Porém, a construção de cidades sombrias e a clausura habitacional, conduziram a uma redução marcada da exposição solar, que promoveu as epidemias de raquitismo e tuberculose – conhecidas como as pragas brancas, pelas aparências pálidas que as acompanhavam.3 Actualmente, a deficiência de vitamina D é epidémica, com uma prevalência estimada de 41.6% nos caucasianos, 69.2% nos hispano-americanos e 82.1% nos afro-americanos.%.4 Praticamente todas as células do corpo humano têm receptores de vitamina D, o que indica a necessidade de requisitos substanciais, que não são satisfeitos pela maioria dos estilos de vida urbanizados. Consequentemente, a deficiência está relacionada com um largo espectro de afecções.5,6 A capacidade da vitamina D promover a produção de renina – uma das hormonas mais importantes para regular a pressão sanguínea – explica a sua relação com a hipertensão e a doença cardiovascular.7 No caso da diabetes, foi estabelecido que as células pancreáticas possuem receptores de vitamina D que necessitam de ser adequadamente activados para favorecer a síntese e a produção de insulina.8 Em relação ao cancro, demonstrou-se que a vitamina D possui a capacidade de impedir a proliferação e promover a destruição de células malignas.9 A vitamina D também promove a produção de Catelicidina, uma substância que combate agentes microbianos, e ajuda a explicar a sazonalidade das infecções.10
Nos anos 30, em Londres, as gaiolas para bebés, que eram colocadas na parte exterior das janelas, tornaram-se numa forma popular de proporcionar banhos de sol e de ar fresco às crianças.
OUTROS EFEITOS BENÉFICOS DA LUZ SOLAR
- Possui a capacidade de tratar várias doenças de pele, tais como a dermatite, a psoríase e até alguns tipos de cancro cutâneo.11,12
- Potencia a produção da Hormona Estimulante de Melanócitos, o que favorece a função imunitária e previne o risco de cancro e de doenças autoimunes.13
- É um tratamento eficaz para diversos problemas neurológicos, tais como a desordem sazonal e a depressão, fazendo aumentar a circulação sanguínea cerebral e os níveis de serotonina, o que resulta num humor mais positivo e em melhorias da função cognitiva.14,15
- Aumenta os níveis de opióides naturais chamados de endorfinas, o que indica que o sistema de pigmentação cutâneo é um elemento importante de resposta ao stress.13
- Interrompe a transmissão de vírus e bactérias, através da desinfecção do ar e da água, o que ajuda a explicar a sua eficácia na redução da diarreia e da cólera.16,17
Fototerapia para a icterícia neonatal – mais uma das aplicações benéficas da luz UV, uma que vez ajuda a decompor o excesso de bilirrubina que caracteriza a condição.
A INDÚSTRIA DO CANCRO DE PELE
A epidemia de desordens relacionadas com a exposição solar insuficiente contrasta com os apelos sociais de promoção de fuga do sol, abuso de loções, execução de auto-exames, e sobrepreocupação com as repercussões da exposição. Se, por um lado, um apelo de cautela é totalmente adequado – a exposição solar é um factor implicado em lesões cutâneas que podem envelhecer prematuramente a pele e promover o desenvolvimento de melanoma – por outro, as mensagens actuais escondem interesses económicos vastos e podem ser perigosas: um princípio de evasão, ao invés de um de busca responsável pela exposição solar, resulta em problemas de saúde mais sérios do que aqueles que a fuga previne.
A Organização Mundial de Saúde confirma que a exposição excessiva aos raios ultravioleta representa apenas 0.1% da carga global de doença, que é tendencialmente benigna (com excepção do melanoma maligno) e ocorre em grupos de idade avançada.11 Por sua vez, a exposição insuficiente resulta em desordens que são significativamente mais sérias e comuns, de entre os quais aumento da incidência de cancro, não a sua diminuição. A probabilidade de desenvolver cancro de pele por exposição a níveis elevados de radiação é menor do que a probabilidade de desenvolver outros tipos de cancro, bastante mais perigosos, por causa de níveis de exposição insuficientes, tais como o cancro da mama e do cólon.18,19.20 A exposição solar está, inclusivamente, associada a um aumento da sobrevivência em casos de melanoma, o que pode estar relacionado com a actividade anticancerígena da vitamina D e com a capacidade da luz de aumentar a reparação dos genes.21
Os protectores solares, que são promovidos como uma linha de defesa indispensável, contêm, por vezes, substâncias implicadas na toxicidade cutânea, que podem ser absorvidas através da pele.22,23 Além disso, reduzem os efeitos benéficos da exposição, uma vez que bloqueiam os raios que permitem a acomodação da pele ao sol e permitem a produção de vitamina D. Consequentemente, os utilizadores de protector solar podem apresentar níveis mais baixos de vitamina D e incidências superiores de deficiência.24 Países onde as loções foram recomendadas e adoptadas com maior antecipação experienciaram aumentos de melanoma maligno e das taxas de mortalidade subsequentes.25,26
Em adição, a promoção de auto-exames cutâneos resulta numa eficaz canalização de público para os consultórios dermatológicos – repletos de custosas prescrições e terapias. No entanto, não há evidência significativa dos benefícios do rastreio para o cancro de pele, especialmente na sobrevivência de melanoma maligno, e os dados indicam que pode aumentar o risco de transtornos psicológicos, dermatológicos e sobrediagnoses. Supõe-se que uma das justificações para o aumento da incidência de melanoma, apesar da manutenção das taxas de mortalidade, reside no acréscimo das biópsias de cancros clinicamente irrelevantes.27,28
O descurar das repercussões da exposição solar insuficiente, dos potenciais comprometimentos gerados pelo abuso de loções, assim como o incentivo à consulta médica, sugerem o cariz comercial do que aparenta ser uma preocupação descomprometida. Essas campanhas são, não surpreendentemente, lideradas pela indústria cosmética, farmacêutica e médica, que colhem as receitas originadas por um espectro de alarmismos tendenciosos.
29 Por um lado, a evidência científica indica que o rastreio para o cancro de pele não melhora as hipóteses de sobrevivência, por outro, os cartazes alarmistas da Associação Contra o Cutâneo dão a entender precisamente o oposto – expectavelmente, as forças motrizes das campanhas são as indústrias que lucram com as suas repercussões.
PRÁTICA
Em síntese, a exposição solar é benéfica e desejável, mas necessita de ser acompanhada de ressalvas importantes para minimizar os riscos e os prejuízos:
- É insensato expor a pele desabituada à luz solar forte. A exposição deve ser faseada e sem desconforto.
- Indivíduos de pele clara devem ter um cuidado acrescido; os pele escura podem ter uma exposição liberal.
- Maior liberdade no Inverno, maior cuidado no Verão, ou em localidades tropicais.
- Se houver a possibilidade de escaldões, o mais adequado é ir para a sombra ou vestir roupa e pôr um chapéu. Filtros físicos são preferíveis a filtros químicos – que, ainda assim, podem ser úteis em circunstâncias em que a exposição excessiva não pode ser evitada de outra forma.
- Uma dieta rica em antioxidantes exerce efeitos benéficos na prevenção dos danos provocados pelos raios U.V.30
Senso comum: usufruir da luz solar sem queimar nem exagerar.
Um motorista de pele clara que durante 28 anos esteve mais exposto à radiação solar no lado esquerdo da cara, demonstra de uma forma impressionante a amplitude dos danos contribuídos pelos raios UV.
12 – Patrizi, A; Raone, B; Ravaioli, GM. Management of atopic dermatitis: safety and efficacy of phototherapy. Clinical, cosmetic and investigational dermatology. 8: 511–20.
30 – Rajani Katta, Samir P. Desai. Diet and Dermatology. The Role of Dietary Intervention in Skin Disease. J Clin Aesthet Dermatol. 2014 Jul; 7(7): 46–51.