ARTIGOS

AZEITE

Numa sociedade que incentiva a reduzir o consumo de hidratos de carbono, com base na alegação de que se transformam em gordura, a promoção do consumo de gordura é encarada com naturalidade. O azeite, em particular, encontra-se imbuído de uma mística difícil de suplantar, apesar de haver várias razões nutricionais básicas que indicam claramente a sua desadequação:

1º – O azeite é um alimento altamente processado. Todos os constituintes da azeitona, de entre os quais os hidratos de carbono, as proteínas, as vitaminas, as fibras e os minerais, são removidos ao ponto de o produto final ser apenas a gordura e as substâncias agregadas à gordura. A inclusão deliberada de azeite como parte de um comportamento nutricional saudável deplora as recomendações de que a dieta deve ser composta, no máximo de amplitude possível, por alimentos não processados.

2º – O azeite epitomiza o conceito de calorias vazias. Uma vez que as gorduras são os nutrientes caloricamente mais ricos, um alimento constituído somente por gordura possui a quantidade máxima de calorias e a quantidade mínima de todos os nutrientes dissociados da gordura. Portanto, o consumo de azeite destabiliza o rácio de nutrientes/calorias e, consequentemente, a riqueza nutricional da dieta.

1 Em relação ao azeite, o açúcar mascavado providencia um espectro de nutrientes mais completo, com menos de metade das calorias e sem gordura saturada. Do ponto de vista nutricional, as razões para a glorificação do azeite são fictícias.

3º – O azeite é uma má fonte de gorduras essenciais. Frequentemente, uma das alegações dos “especialistas” que promovem o consumo de azeite, incide na sua mais-valia como fonte de gorduras essenciais. No entanto, cerca de 70% da gordura do azeite é monoinsaturada, 14% é saturada e 11% é poliinsaturada – dos quais apenas 0.76% são ómega 3.1 Isto é, para obter o conteúdo de gorduras poliinsaturadas essenciais, é necessário expor o organismo a uma quantidade predominante de gorduras monoinsaturadas e saturadas que são inteiramente dispensáveis e potencialmente nocivas, principalmente a partir de fontes processadas.

“Está aqui o azeite porque as gorduras polinsaturadas devem ser incluídas ao pequeno-almoço…” – É mais sensato concluir que o azeite é uma fonte de gorduras saturadas do que de gorduras poliinsaturadas…

4º – O azeite engorda. É absurdo acreditar que os hidratos de carbono engordam porque se transformam em gordura e, simultaneamente, consumir deliberadamente gordura com a esperança de emagrecer – especialmente quando essa fonte de gordura é refinada, tal como no caso do azeite.

  • A gordura tem o dobro das calorias dos hidratos de carbono. Um grama de azeite tem mais do dobro das calorias de um grama de açúcar, e mais de 11 vezes as calorias de um grama de batatas – um alimento injustamente demonizado por engordar – o que contribui facilmente para a sobrecarga calórica que favorece o ganho de peso.
  • A gordura já é gordura e, como tal, é depositada como massa adiposa com um custo metabólico muito reduzido.2 De facto, a análise da gordura corporal permite determinar o tipo de gordura consumida, uma vez que as moléculas são, essencialmente, as mesmas.Pelo contrário, os hidratos de carbono não são, obviamente, gorduras, e necessitam de custosos processos metabólicos para a sua conversão e deposição.
  • A gordura é uma “moeda” energética de segundo recurso em relação ao hidrato de carbono e, assim sendo, facilmente delegável para a deposição adiposa.

5º – O azeite pode causar prejuízos de saúde: O endotélio é uma camada de células que cobre o interior dos vasos sanguíneos e regula, de entre várias funções, a sua dilatação. A disfunção do endotélio é um dos aspectos pivotais no desenvolvimento de doença vascular. O consumo de azeite provoca disfunções do endotélio comparáveis às de outros produtos ricos em gordura, como a manteiga, e provoca um aumento similar em factores coagulatórios.4,5,6,7 Por essa razão, o consumo de azeite foi associado ao desenvolvimento de lesões ateroscleróticas.8,9

O azeite prejudica a saúde vascular.

A ORIGEM DA GLORIFICAÇÃO DO AZEITE

A noção de que o azeite é um alimento saudável provém de uma extrapolação da sua utilização na dieta do povo da ilha de Creta, onde a doença cardiovascular era rara. Essa dieta foi estudada e identificada como a famosa dieta mediterrânica, que era praticamente vegetariana – rica em frutas e vegetais e pobre em produtos de origem animal – que constituíam apenas 7% da energia da dieta.10 Um dos produtos que esse povo utilizava era o azeite, o que resultou na interpretação equivocada da sua relevância relativamente aos benefícios de saúde que obtinham. No entanto, as dietas mediterrânicas tradicionais são saudáveis porque são ricas em calorias de plantas e pobres em calorias animais. O azeite, por si, não é protector a não ser pela virtude de remover o lugar de gorduras animais na dieta.11,12Nas palavras de Ancel Keys, que determinou a dieta mediterrânica: “Não há provas de que o azeite seja protector, a não ser pela virtude do facto de que ocupa o lugar de mais gorduras saturadas na dieta.”


1 – USDA National Nutrient Database for Standard Reference (Release 28)
2 – Danforth E Jr. Diet and obesity. Am J Clin Nutr. 1985 May;41(5 Suppl):1132-45.
3 – Baylin A, Kabagambe EK, Siles X, Campos H. Adipose tissue biomarkers of fatty acid intake. Am J Clin Nutr. 2002 Oct;76(4):750-7.
4 – Vogel RA. Brachial artery ultrasound: a noninvasive tool in the assessment of triglyceride-rich lipoproteins. Clin Cardiol. 1999 Jun;22(6 Suppl):II34-9.
5 – Rueda-Clausen CF, Silva FA, Lindarte MA, Villa-Roel C, Gomez E, Gutierrez R, Cure-Cure C, López-Jaramillo P.Olive, soybean and palm oils intake have a similar acute detrimental effect over the endothelial function in healthy young subjects. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2007 Jan;17(1):50-7.
6 – Vogel RA, Corretti MC, Plotnick GD. The postprandial effect of components of the Mediterranean diet on endothelial function. J Am Coll Cardiol. 2000 Nov 1;36(5):1455-60.
7 – Larsen LF, Bladbjerg EM, Jespersen J, Marckmann P. Effects of dietary fat quality and quantity on postprandial activation of blood coagulation factor VII. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 1997 Nov;17(11):2904-9.
8- Blankenhorn DH, Johnson RL, Mack WJ, el Zein HA, Vailas LI. The influence of diet on the appearance of new lesions in human coronary arteries. JAMA. 1990 Mar 23-30;263(12):1646-52.
9 – Rudel LL, Parks JS, Sawyer JK. Compared with dietary monounsaturated and saturated fat, polyunsaturated fat protects African green monkeys from coronary artery atherosclerosis. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 1995 Dec;15(12):2101-10.
10- M Nestle. Mediterranean diets: historical and research overview. Am J Clin Nutr. June 1995 vol. 61 no. 6 1313S-1320S
11 –  Keys A. Mediterranean diet and public health: personal reflections.  Am J Clin Nutr. 1995 Jun;61(6 Suppl):1321S-1323S.
12 – Ancel Keys. Olive oil and coronary heart disease. The Lancet Volume 329, No. 8539, p983–984, 25 April 1987

3 Comments

  1. Mais um excelente artigo! Fiquei só com uma dúvida, este artigo é sobre o azeite extra virgem (supostamente o menos processado) ou em termos nutricionais não existem quaisquer diferenças entre o azeite normal e o azeite extra virgem? Obrigada!

    1. Boa pergunta. Não creio que estejam a falar do azeite que temos, não falo daquele que compramos no supermercado… Mas daqueles que as famílias do interior fazem para seu próprio consumo

    2. Obrigado pelo comentário. Em termos nutricionais, o azeite extra virgem é mais rico em antioxidantes que ajudam a neutralizar o efeito negativo da gordura, mas, de resto, as diferenças são negligenciáveis. Apesar disso, o intuito é o de minimizar, não de dramatizar. Bem haja!

Leave a Reply