ARTIGOS

A DIETA HUMANA AO LONGO DO TEMPO

A DIETA PRÉ-HISTÓRICA

O recurso alimentar mais significativo na evolução da linhagem humana foi, indubitavelmente, a flora tropical africana.1 Análises dos dentes fossilizados indicam que, desde o Australopitecos até ao Homo erectus, as dietas foram predominadas por frutas e vegetais na sua forma natural.A partir daí, um factor determinante no sucesso e versatilidade alimentar foi incidente no consumo de fontes de amido, nomeadamente, tubérculos (raízes subterrâneas) e sementes das ervas (cereais), que são nutritivos, abundantes, fáceis de colectar, armazenar, e, posteriormente, cultivar.Essa relação dietética foi potenciada pelo uso do fogo, que gelatiniza o amido, tornando-o palatável e facilmente consumível.4,5

O recurso a alimentos ricos em amido foi notoriamente relevante e bem-sucedido, uma vez que fornece um perfil nutricional coadunado com a biologia humana – de certa forma, foram mais os alimentos “novos” que se adequaram ao organismo do que o organismo que necessitou de se reformular para receber alimentos de uma natureza inteiramente distinta. Esses mesmos alimentos possuem uma enorme pervasividade através do globo, com dezenas de espécies diferentes de raízes e tubérculos comestíveis, apenas na Europa,6 o que os tornou dieteticamente preponderantes durante todo o percurso evolutivo e expansão do Homo sapiens. Adicionalmente, os órgãos subterrâneos das plantas oferecem uma fonte concentrada de energia sazonal, uma vez que estão na capacidade máxima de armazenamento no final do Outono e Inverno.7

Frutas e Amidos: Nutricionalmente Semelhantes

(8) Os rácios dos principais nutrientes das frutas e dos amidos são caracterizados por níveis elevados de hidratos de carbono e quantidades proporcionalmente reduzidas de proteína e gordura, valores estritamente adequados aos requisitos nutricionais humanos.

Os dados vestigiais utilizados para justificar um aumento do consumo de alimentos animais, entre os hominídeos, são mais consistentes com o consumo de tubérculos e de cereais.9 Os padrões de micro desgaste dental são compatíveis com a adição de tubérculos a uma dieta semelhante à de um chimpanzé.10 De facto, os amidos revelam-se como o macrofóssil mais comum encontrado nos cálculos dentários do homem primitivo,11 o que evidencia a sua preponderância na alteração dietética que caracterizou os primeiros Homo. Além disso, análises das fezes fossilizadas indicam consumos de fibra – um nutriente que se encontra exclusivamente em plantas – compreendidos entre as 100 e as 250 gramas diárias.12 Em perspectiva, isso equivale ao consumo de cerca de 2250 a 5600 calorias de centeio integral – um alimento riquíssimo em fibra.

A relevância dietética do amido é evidente, por exemplo, na descoberta de ferramentas em pedra recuperadas de uma gruta em Moçambique, que demonstram que o sorgo selvagem – o ancestral do cereal mais consumido nas regiões subsarianas – fazia parte da dieta do Homo sapiens, há mais de 100 000 anos, em conjunto com a falsa banana, as ervilhas, as laranjas selvagens e a batata africana, o que prova uma dieta muito mais sofisticada do que se julgava. A descoberta de milhares de grãos nas mós e raspadores escavados, demonstra que, o sorgo era trazido para a gruta e processado sistematicamente. Os investigadores concluíram que, o uso de hidratos de carbono complexos, representou um passo crítico no percurso evolucionário, ao melhorar a qualidade da dieta nas savanas e bosques onde os humanos modernos evoluíram inicialmente.13 A evidência do consumo de amido é peremptória durante todo o paleolítico, através da descoberta de ferramentas de moagem e cereais de várias plantas selvagens, com origem numa variedade de contextos geográficos e ambientais, que vão desde o nordeste da Europa ao Mediterrâneo, e indicam que o processamento de alimentos vegetais, e, possivelmente, a produção de farinha, eram uma prática comum desde o início da ocupação da Europa pelo homem moderno.14

Cereais: alimentos integralmente “Paleo”.

Essa dependência em amido resultou no desenvolvimento de adaptações ao seu consumo. Foi demonstrado que, em relação aos outros primatas, os humanos possuem mais cópias do gene que produz amilase salivar – uma enzima que decompõe os hidratos de carbono complexos, que caracterizam o amido, em hidratos de carbono simples. Isso constitui mais um exemplo indicativo da influência dos alimentos ricos em amido na evolução humana.15 As plantas foram a chave nutricional ininterrupta, para a humanidade, e disponibilizaram o abundante combustível necessário para a expansão global e a sustentação de grandes grupos populacionais. Por sua vez, a carne possui uma natureza nutricional díspar e, consequentemente, patogénica, é de obtenção imprevisível, e não permite a sustentação confiável de um número significativo de indivíduos.

Os amidos não fogem, não mordem, não gritam, nem retaliam. São extremamente abundantes e adequados aos requisitos nutricionais. Seres humanos inteligentes privilegiariam o seu consumo, em relação a arriscadas actividades predatórias.

A DIETA DAS CIVILIZAÇÕES

A capacidade de colecta e reserva de amidos, foi exacerbada pelo domínio e disseminação da agricultura, que culminou na derradeira emancipação alimentar. A libertação de uma fracção significativa da população, para tarefas não relacionadas com a obtenção de alimento, foi o ingrediente necessário para catalisar as civilizações, que dependeram, sem excepção, de cereais e de tubérculos, como fonte nutricional principal.16

A própria revolução agrícola é um indicador-chave das preferências alimentares que antecederam a agricultura, contrariamente às suposições convencionais, que a assumem como uma instituição de hábitos dietéticos radicalmente diferentes. O domínio das técnicas necessárias para o cultivo de determinadas plantas, é deduzido a partir da sua continuada relevância dietética; não da adopção de séries de alimentos inteiramente inovadoras. Foi a longa tradição paleolítica de exploração intensiva de certos tipos de plantas, que conduziu à compreensão das suas propriedades e ciclos, e, finalmente, à sua domesticação.17

A carne, de obtenção, produção e conservação, intrinsecamente, mais exigente, continuou a manter-se como um alimento de uma natureza secundária, ou circunstancial, cuja preponderância dietética seria ditada por imposições climatéricas, ausência de fontes de hidratos de carbono ou capacidade financeira. Historicamente, eram as classes sociais afluentes que detinham as terras, os direitos da caça e as armas, e, já na antiguidade, sofriam das doenças típicas dos dias de hoje. A aterosclerose – caracterizada pela degeneração e entupimento dos vasos sanguíneos – foi descoberta em membros da elite chinesa, e nas múmias do antigo Egipto. Por sua vez, a doença aparenta ter sido bastante incomum nas classes baixas, que eram principalmente vegetarianas.18

As classes dominantes, que possuíam os recursos para consumir proporções elevadas de carne, sofriam das doenças características dos dias de hoje.

Até recentemente, o alimento das classes trabalhadoras consistia de plantas ricas em amido, e a carne não era usada como alimento, mas como tempero. Os italianos comiam massa, os franceses e os alemães comiam pão, os irlandeses comiam batatas, os indianos comiam arroz, os caribenhos comiam inhames e fruta-pão, os africanos comiam tâmaras e inhames, e, de facto, apenas uma fracção bem pequena da humanidade podia depender de carne.19 Os produtos animais vulgarizaram-se no ocidente a partir de desenvolvimentos que permitiram artificializar os preços e concentrar as produções – o que consequenciou a explosão de doenças degenerativas, que se alastraram aceleradamente aos países em desenvolvimento, como resultado do processo de globalização. Incapaz de garantir segurança alimentar, de corresponder aos requisitos nutricionais adequadamente, ou de ser produzida de uma forma sustentável, a dieta baseada em carne nunca foi, ou poderá vir a ser, o motor nutricional de uma humanidade saudável.

A maioria da população mundial dependeu, consistentemente, de alimentos ricos em hidratos de carbono para a sua subsistência, com incidências negligenciáveis de obesidade, doença cardiovascular, diabetes e cancro.


1 – D. J. Chivers, P. Langer. (1994) The Digestive System in Mammals: Food Form and Function 1st Edition. Cambridge University Press
2 – Walker A. Diet and teeth. Dietary hypotheses and human evolution. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 1981 May 8;292(1057):57-64.
3 – Karen Hardy, Jennie Brand-Miller, Katherine D. Brown, Mark G. Thomas, Les Copeland. The Importance of Dietary Carbohydrate in Human Evolution. The Quarterly Review of BiologyVol. 90, No. 3 (September 2015), pp. 251-268
4 – Wrangham R. Catching Fire: How Cooking Made Us Human. New York: Basic Books; 2009.
5 – Tester RF, Qi X, Karkalas J. Hydrolysis of native starches with amylases. Anim Feed Sci Technol. 2006;130:39–54. 
6 – Patrick Pasquet. Theories of Human Evolutionary Trends in Meat Eating and Studies of Primate Intestinal Tracts. Centre National de la Recherche Scientifique, France
7 – Bruce L. Hardy. Climatic variability and plant food distribution in Pleistocene Europe: Implications for Neanderthal diet and subsistence. Quaternary Science Reviews Volume 29, Issues 5–6, March 2010, Pages 662–679
8 – USDA National Nutrient Database for Standard Reference, Release 27. http://www.ars.usda.gov/Services/docs.htm?docid=8964
9 – Increased Dietary Breath in Early Hominin Evolution: Revisiting Arguments and Evidence with a Focus on Biogeochemical Contributions. The Evolution of Hominin Diets. Vertebrate Paleobology and Paleoanthropology, 2009 229-224
10 – Nancy Lou Concklin-Brittain,  Richard Wranghram. Relating Chimpanzee Diets to Potential Australopithecus Diets. Department of Anthropology, Harvard University, Cambridge, MA 02138
11 – Poor oral hygiene: a key to understanding ancient diet. British Archeology, The voice of archeology in Britain and Beyond. Issue 105- March April.
12 – Tuohy KM, Gougoulias C, Shen Q, Walton G, Fava F, Ramnani P. Studying the human gut microbiota in the trans-omics era–focus on metagenomics and metabonomics. Curr Pharm Des. 2009;15(13):1415-27.
13 – Julio Mercader, et al. Mozambican Grass Seed Consumption During the Middle Stone Age. Science 326, 1680 (2009)
14 – Revedin A, Aranguren B, Becattini R, Longo L. Thirty thousand-year-old evidence of plant food processing. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010 Nov 2;107(44):18815-9.
15 – George H Perry, Nathaniel J Dominy, Katrina G Claw. Diet and the evolution of human amylase gene copy number variation. Nature Genetics 39, 1256 – 1260 (2007)
16 – Mcdougall newsletter volume 8 No 2.
 https://www.drmcdougall.com/misc/2009nl/feb/starch.htm
17 – Liu L, Bestel S, Shi J, Song Y, Chen X. Paleolithic human exploitation of plant foods during the last glacial maximum in North China. Proc Natl Acad Sci U S A. 2013 Apr 2;110(14):5380-5.
18 – A Rosalie David, Amie Kershaw, Anthony Heagerty. Atherosclerosis and diet in ancient Egypt. The Lancet, Volume 375, Issue 9716, Pages 718 – 719, 27 February 2010.
19 – The Spectator. Volume 12. 5-1-1839. Pág. 470


 

7 Comments

  1. Texto absolutamente ridículo!!
    É incrível como a perspetiva radical e ignorante do autor acerca da alimentação pode falsear a historia da evolução humana.
    O senhor que escreveu este texto ainda tem muito que aprender.

    1. João Cabral, suas críticas são vazias. Refute os argumentos então. Atacar o mensageiro não destrói a mensagem. Falácia Ad Hominem. Quais as suas evidências de que o texto é falso?

    1. Boa tarde, Leonardo. Muito obrigado pelo incentivo. Depois de estruturar completamente a informação, poderá ser que retorne à produção de vídeos. Bem haja!

  2. Parabéns David! Gostei! Notei que deixei de te ter na minha lista de amigos de facebook e não consigo reencontrar-te quando procuro. Podes pedir-me amizade (Antonio Jose Toze Paiva)? Obrigado.

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